28 de out. de 2016

Quando o assunto é comida, mulheres falam de dieta nas redes sociais

Jornal Cruzeiro do Sul
Regina Helena Santos
regina.santos@jcruzeiro.com.br
http://www.jornalcruzeiro.com.br/materia/740464/dieta-e-o-principal-assunto-das-mulheres-nas-redes-sociais

Quando o assunto é comida, mulheres falam de dieta nas redes sociais


Quando o assunto é comida, o que mais as mulheres postam nas redes sociais? Na era dos programas de televisão que premiam os melhores chefs de cozinha amadores, a realidade feminina quando o assunto é comer e se comunicar não é bem assim.Foi o que concluiu a pesquisadora Eliete de Souza Della Violla, graduanda do curso de Design da Universidade de Sorocaba (Uniso), num trabalho de iniciação científica proposto pela professora Míriam Cris Carlos, que trouxe à tona um retrato preocupante sobre o quanto as mulheres usam a internet para expor as problemáticas que enfrentam em relação à própria imagem. Ao invés de hashtags como #almoço delicioso, #chefemcasa ou #sobremesacaprichada, por exemplo, o público feminino das principais redes sociais utilizadas no Brasil prefere buscar curtidas e seguidores com apelos como #detox, #dieta ou até outros, mais depreciadores, como #vaigordinha, #correbaleinha ou #projetoesposamagra. 

O trabalho analisou, durante os meses de agosto a dezembro de 2014, posts ligados à alimentação no Facebook, Instagram e YouTube. E a professora Míriam Cris Carlos, que propôs o tema inicial baseado numa pesquisa sobre comida nas redes sociais, confessa que se surpreendeu com o resultado — e o rumo — que o trabalho tomou. “Vimos que, em sua maioria, as publicações femininas ligadas à comida fazem referência à imagem do corpo, ao reforço de um estereótipo de corpo feminino perfeito. Foi bem inesperado.”

Para se ter uma ideia, no aplicativo Instagram — voltado para publicação exclusiva de fotos “legendadas” — as imagens mais encontradas não foram de apetitosas receitas, mas sim de itens ligados a um processo de emagrecimento. O termo #detox foi o mais citado durante o levantamento, com 2,7 milhões de postagens. Deve-se considerar que a palavra, em inglês, também pode ser registrada em páginas de usuários de outros países. Entretanto, #dietavemlogo em seguida, com não menos representativos 2,2 milhões de posts. Em terceiro lugar vem o #comida, com 1,7 milhões. Na sequência, o público feminino das redes parece começar a se preocupar com a saúde. A #saúde teve, no Instagram, 1,1 milhões de postagens, seguida de 125 mil da #comidadeverdade e apenas 11 mil de #comidadobem.

No YouTube, a ordem dos termos mais postados se inverte um pouco, mas a preocupação com a imagem continua. Como a mídia não trabalha com as hashtags e reúne muitos vídeos sobre culinária, em geral as palavras comida (1,8 milhões de posts) e alimentos (902 mil posts) são as que mais aparecem no universo pesquisado. Na sequência, entretanto, logo surgem detox (882 mil) e dieta (845 mil), com citações bem acima das receitas (311 mil) e alimentação saudável (44 mil). Por lá, a presença de narrativas é maior. Se o termo pesquisado for dieta, logo aparecem milhares de vídeos, de mulheres anônimas, contando como conseguiram vencer a luta contra a balança. 

Segundo Eliete, grande parte dos posts femininos ligados à alimentação citam os famosos “projetos”, ou seja, esquemas de dieta para alcançar os tão sonhados corpos esbeltos. E, por vezes, estes projetos estão voltados para estar “magra e linda” em períodos específicos, como as festas de fim de ano, por exemplo, quando a tradição brasileira exige um grande convívio familiar, sempre em volta da mesa farta de comida. “A comida possui um importante valor simbólico de convivência”, lembra Eliete.



Mundo real ou virtual? 

Postagens se tornaram um retrato do mundo contemporâneo 

As narrativas são mediadoras da realidade”, explica a pesquisadora Míriam Cris Carlos. Mas hoje, com as narrativas latentes nas redes sociais, essa vida virtual acaba se confundindo com a vida real — e os posts sendo um retrato do mundo contemporâneo. No caso dos cuidados com a imagem, a pesquisadora salienta o fenômeno de que não basta ter um projeto pessoal de emagrecimento: é preciso contar, compartilhar, reforçá-lo com uma imagem e conseguir o maior número possível de curtidas. “As redes sociais são comunidades. E as comunidades sempre existiram. É certo que na internet há uma concepção diferente de tempo, espaço e relacionamento, mas essas conclusões são indícios do que acontece nesse entorno social”, observa. 

Para Eliete de Souza Della Violla, as referências à imagem — quando o tema a ser pesquisado, na verdade, era comida — apontam que, nas redes sociais, vale muito mostrar que se está fazendo algo para “melhorar” e pertencer a um grupo. “Me lembro de um post de uma menina que tirou a foto de uma caixa de chocolate jogada dentro do vaso sanitário.” Neste caso, a jovem buscava comprovar aos seus seguidores, com uma imagem, que havia resistido à tentação de colocar seu projeto de emagrecimento por água abaixo. “É a necessidade contemporânea de registrar e expor o tempo todo”, completa Míriam. 

O levantamento feito pelas pesquisadoras, ainda que não tenha um intuito de analisar o tema sob a ótica da psicologia, aponta um traço importante do comportamento feminino. Tanto que o trabalho se transformou num artigo científico — A cultura alimentar e midiática: narrativas sobre o feminismo nas redes sociais — que acaba de ser publicado no México. “Acabou se tornando um levantamento importante dentro dos discursos de abordagem do feminino”, avalia Míriam. Isso porque a pesquisa reforça, como indicam as pesquisadoras, reflexões das distorções contemporâneas sobre imagem, já citadas por outros estudiosos, como Norval Baitello Junior — que faz questão de pontuar que o corpo é tridimensional, envelhece, muda. A imagem não. Por isso, a imagem ideal quase sempre não se encaixa em corpos reais.
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